Algumas anotações/comentários/decupagem de “Trends in voter surveillance in western societies”, do Colin Bennett (link para o artigo –> https://ojs.library.queensu.ca/index.php/surveillance-and-society/article/view/voter_surv)
Sem revisão nenhuma. Entre parênteses em geral estão comentários meus.
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Texto trata de várias práticas de vigilância de eleitores em estados democráticos (a se julgar pelo título, há algum tipo de equivalência excludente entre sociedades ocidentais e democracias?)
Começa com uma definição de vigilância de autores tradicionais (Lyon, Haggerty e Ericson e o próprio Bennett) apontando seu caráter cotidiano, lateral, nem ruim nem bom, afetando humanos, não-humanos e espaços, e o fato de ser um modo de poder e de governança em sociedades modernas e pós modernas.
Definições macro só nos levam até certo pnto. Os efeitos da vigilância dependem das posições particulares dos vigiados,. Teorias macro tendem a ignorar relações mais sutis. Diferentes tecnologias de vigilância (testes de DNA e satélites espiões, por exemplo) dificultam generalizações sobre suas dinâmicas e implicações.
Essa discussão é para chegar à categoria que ele quer trabalhar, voter surveillance (com especificidades como a da employee surveillance). “… dados pessoais são cada vez mais capturados e processados para o propósito de regular uma justa e eficiente condução das eleições e também para influenciar nosso comportamento e decisões”.
Voter surveillance é um campo pouco explorado academicamente. Há muito comentário jornalístico sobre micro-targeting nos EUA (cita aqui issenberg 2012, pode valer checar) e como isso foi importando para o Canadá. Cita mais trabalhos de outros campos mas diz que pouco disso está voltado a entender perfilização e mineração de eleitores e riscos à privacidade e democracia.
trends in voter surveillance, seção
Generalizações são difíceis. Práticas de vigilância são dinâmicas e consideravelmente secretas. Muitas das inovações são dos EUA mas é importante não generalizar o universal a partir de lá. Diferenças são pelo tipo de financiamento, sistema de dois partidos, polarização competitiva, mercados comercial grande de dados pessoais e ausência de lei de privacidade (esses itens podem ser importantes como pontos de comparação com o Brasil, eu diria).
Voter surveillance é um termo não exato. Dados muitas vezes vem do corpo social geral. E a análise dos dados de votantes é somada a dados de consumidores (isso explicaria o setor varejista sendo quem traz tecnologia ZAP para Bolsonaro?). “Políticos vão às compras por eleitores”. Fronteira entre vigilância de consumidores e de eleitores é difícil de precisar.
Ainda assim, quatro tendências: transição de bases de dados de eleitores separadas para plataformas de gerenciamento de votantes (vai explicar mais); passagem de macro direcionamento para micro direcionamento, inclusive com bancos de dados de data brokers; dados capturados de mídia social; aplicações móveis.
As plataformas integradas de gerenciamento de eleitores. No esquema antigo os partidos tinham listas de eleitores. Os sistemas de agora incluem não-apoiadores/filiados. São hoje essenciais para levantamento de fundos, operaçoes de mobilização (get-out-the-vote), recrutamento e monitoramento de questões em locais chave do ponto de vista demográfico e geográfico.
Nos últimos 20 anos surgiram softwares para isso. Alguns são preferidos pelos de esquerda outros pela direita (cita alguns)
A construção dessas bases é facilitada por dados públicos (mapear que dados são esses no BR seria interessante. Tem o exemplo do Bolsa Família). Como dados não são uniformes empresas complementam com outras bases. Cita empresas dos EUA que fazem isso.
Outros autores sugerem que os partidos coletam dados de diversas fontes, até blogs e cartas para jornais, petições públicas (pergunto se Avaaz não funciona muito pra isso).
Não se sabe se softwares dos EUA foram usado em outros lugares. Cita colaborações entre partidos dos EUA e Canadá e sistemas canadenses.
Cita sistemas semelhantes, com coleta de dados semelhante, do UK e Austrália.
Evidências em outros países é inconsistente. Na Europa muitas dessas práticas são ilegais ou culturalmente não aceitáveis.
Plataformas intergadas disponíveis comercialmente gerencial facebook, twitter, youtube, whatsapp etc, cabos eleitorais e material de campanha. Solução integrada
Cita anúncio de uma dessas plataformas que fala das vantagens e possibilidades.
Ainda assim, ainda tem partidos que mantém o uso das bases centralizadas do passado.
Da mensagem de massa ao micro-direcionamento. Mais dados, mais precisão. Cada vez mais eleições são decididas por swing voters e o eleitorado é fatiado e as mensagens são especificadas de acordo com o veículo-mídia de preferência do tipo de eleitor. (parece ser o caso no Brasil. Usuário de zap tem um perfíl semelhante?)
“Micro-direcionamento usa quaisquer informações de nível individual disponíveis e as combina com dados demográficos, geográicos e de marketing para produzir modelos estatísticos destinados a entender melhor as ideias e os comportamentos dos eleitores”.
Tudo pode ter começado em 2004, com o Bush, quando o contato telefônico começa a ficar difícil pra fazer pesquisas.
Hoje micro-direcionamento é personalização de mensagens. Exemplo é Bush 2004 mirando muheres hispânicas com crianças no Novo México.
Essas técnicas também desafiam ideias de alianças diretas baseadas em classe e renda. Eleitorado complexificado com prioridades múltiplas.
Bases comerciais eram caras e pouco esculpidas para campanhas políticas. Empresas de varejo (elas de novo!) precisam de certos dados pra promover produtos em certas regiões ou pra decidirem onde colocar uma loja. Campanhas políticas precisam de mais dados, a serem agregados com pesquisas. Ou seja, é caro e mais difícil, acessível só às nacionais e campanhas ricas.
É erro pensar que isso mostra a quem direcionar. Micro-direcionamento é ferramenta para priorizar ataques e são probabilísticas. Cada votante recebe um score que indica o quanto pode ser modulado. (é ferramenta de otimização financeira, também)
Reproduz gráfico de score dos conservadores canadenses, do partido.
Mas diz que esse modelo é antigo. E lembra que essas técnicas pressupõe que pessoas parecidas tendem a viver em lugares específicos e a terem fontes de informação e de vivência da realidade semelhantes, o que as aproxima. É uma segmentação que o marketing usa e os partidos se aproveitam modificando (interessante como é geográfica)
Esses dados costumam ser comprados agregados, o que então não alarma sobre privacidade. E as leis nos EUA são bm flexíveis pros data brokers.
Mídias sociais, grafo social e compartilhamento direcionado. Mídias sociais usadas pra recrutamento, direcionamento e busca de doadores. É barato. Whatsapp é particularmente popular na india (cita gupta 2014, checar). Indivíduos ofertam dados a serem analizados, não tem monitoramento invasivo.
Na política se admite que mídia social é um a mais, precisa ser integrada com o resto (como isso foi feito de modo sui generis no Brasil é uma questão, acrescento). Popularidade no online e offline se complementam e retroalimentam. Por isso também inflação com bots (outra hipótese para o Brasil).
Likes e follow não necessariamente são algo. Quem segue? Quais são as tendências? Tem interação?
Conversão do slactivism para ação real é problema não só pra eleição. Tem evidências q ação preguiçosa na rede amansa consciências e prejudica ação offline.
Mídias sociais tendem a ser bolhas em si. Mundo Face, mundo Twitter etc
Fazedores de campanha buscam acesso ao social graph completo de seus eleitores (me parece que pretendem se incubar no eleitor, fazer dele um cavalo de santo). Colin cita softwares para isso usados por republicanos e democratas.
Obama fez uso particular de targeted sharing. A campanha conseguiu criar uma comunidade de 5 milhões que compartilharam visualizações de suas ações entre si: quem compartilhou vídeos, quem deu dinheiro etc. (Isso me lembra da Zuboff no livro novo falando sobre como mídia social é contraste comparativo competitivo, como adolescentes)
Persuasão pela visualização de ações de colegas. Jovens se influenciam mais por isso (o que explica a juventude Bozo também, a influência do humor juvenil do gentili etc)
Descentralização de campanha por aplicações móveis. Aplicações são construídas sobre essas tendências. Provavelmente vão levar a descentralização (a descentralização da campanha Bozo é uma questão a se discutir, como esta operou). Apps mobile usados para: mensagem tradicional, mapeamento porta a porta, gerenciamento de eventos, encorajar doações, engajamento civil amplo.
Maioria dos apps é unidirecional. Usado para manter eleitores atualizados e impulsionar compartilhamentos.
Cita apps usado para planejar ações de militantes nas ruas: sugere rotas. Também monitora eficiência de cabos eleitorais.
Cita app do Obama que continha info de eleitores. E app de doação.
Cita app de gameficação da experiência de campanha (o novo usou isso no Brasil, outros partidos também)
Descentralização dos dados, em mundo de vazamentos, é desastre esperando pra acontecer.
Vigilância de eleitores e comportamento político, seção
Mudanças na tecnologia e marketeiros interessados em empurrar soluções são fatores importantes, mas há outros fatores que também pesam no marketing político e na vigilância de votantes do modo como se configuram recentemente.
Um é o desalinhamento partidário. Desencanto com os partidos (isso tem explicação no contexto Brasil). Tendência geral no Ocidente e desconfiança nas instituições políticas. Começa nos 60, junto com a televisão (esta teve seu papel no Brasil recente) e os novos movimentos sociais (eu diria que com o neoliberalismo)
Uma das implicações é q os partidos tem que buscar novas formas de engajamento. Eleitores viraram clientes cuja fidelidade flutua. Votar influenciado pelo marketing, menos por alianças tradicionais como tradições familiares.
A natureza dos partidos mudou. Cita que antes eram 3 categorias tradicionais. Partidos de elite, partidos de massa, operários, e partidos em torno de um líder carismático.
Surgem os catch-all parties. Centristas e inconsistentes. São típicos do ocidente hoje.
Outra tendência é a busca por partidos mais democráticos, mais abertos. Partidos como instituições quase públicas.
No parlamentarismo as primárias são mais recentes e tem outros efeitos. Cita os socialistas da Itália, que abriram a decisão de cabeça de chapa não só aos filiados, mas a todos que assinassem uma certa de valores socialistas.
Primárias no parlamentarismo ainda trazem questões sobre uso de dados e privacidade
Voter surveillance será do tamanho de acordo com características legais, culturais e estruturais dos países. Subjaz a isso as implicações para uma política democrática.
Conclusão, seção
Assume-se que vigilância e democracia se opõe. O senso comum a tem como negativa, apesar de poréns dos acadêmicos. Ela inspira conformidade, controle e obediência e desencoraja a autonomia, o individualismo e a criatividade que a democracia pede (pede mesmo?).
Vigilância teria natureza anti-democrática, é o que reforça a literatura orweliana e kafkaesca. Os ativistas da privacidade também reforçam isso. Five-eyes são questionados por serem anti-democrático.
Sistemas de gerenciamento de votantes tratam eleitores como consumidores. Consumidores que não pensam. Micro-direcionamento cria nichos e segmentos e torna partidos inconsistentes (isso é MUITO importante, são os pontos cegos)
Sistemas desencorajam engajamento e liberação. Eleitores são mapeados em suas “vontades” e gostos individualizados. Ou seja, crítica da voter surveillance está ao lado da crítica a como o neoliberalismo encolhe a esfera pública.
Mas o argumento é mais complexo. Partidos mobilizam e educam apoiadores para buscar mais engajamento e perticipação. Vigilância dos votantes responde em parte às limitações do uso da tv. As eleições de 2008 e 2012 conseguiriam mais engajamento, é fato. ele fala dos EUA.
Voter surveillance não é necessariamente anti-democrática, ele argumenta. Surgiram novos interesses e antes de regular ou condenar é preciso mais debate.
Duas matrizes de contestação. Uma das democracias liberais, que veem a privacidade como um pré requisito para várias liberdades que permitem a democracia.
Outra é a da participação cidadã. Com os partidos em crise mais acadêmicos tem se alinhado a teses de democracia participativa. Um ambiente mais participativo levaria a mais self-government. (ele não explicita mas me parece que essa matriz questionaria a vigilância porque ela leva a mais “manipulação”)
Haveria uma terceira abordagem mais otimista, em que essas ferramentas aperfeiçoariam a conexão entre políticas públicas e eleitores. Ela ao menos nos faria julgar o processo com critérios diferentes daqueles que usamos para avaliar a vigilância voltada ao lucro e as práticas de segurança do Estado.